Cristina Amaro
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8.406 É o número de quilómetros entre as minhas duas casas.

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As pessoas

8.406 É o número de quilómetros entre as minhas duas casas.

Bom dia, obrigado!

Choque cultural pela manhã? Porque não? O dia começa a lembrar-nos que o moçambicano médio é muito mais educado do que o português. Em Portugal, um “bdia “, ou “tard” passam assim, de repente, para simular educação, porque queremos é logo despachar o assunto. Fazer isso em Maputo implica receber de volta a luva branca: “Eu aqui estou bem, obrigado, e você aí?” E é mesmo suposto responder, é suposto preocuparmo-nos com os outros e ouvirmos o que têm a dizer. E, claro, pela manhã, se cumprimentamos primeiro, arriscamo-nos a ouvir um: “Bom dia, obrigado!” Porque as pessoas acreditam mesmo que estamos de alguma forma a convocar para elas um dia agradável, feliz. Sabe-se lá que deuses se convocam, que aqui há de tudo, para todas as escolhas, do Reino de Deus às Montanhas de Fogo e Milagres, dos animistas aos adventistas, muitos evangelistas, alguns anglicanos, muitos muçulmanos… A religião é coisa séria, os antepassados velam pelo nosso comportamento. Se continuarmos a honrá-los com visitas ao cemitério e encontros familiares, claro. Se não, transformam-se no nosso maior pesadelo.

O que é que se passa entre as minhas duas casas, que separam 8 406 quilómetros? É o que tentarei transmitir em prosa débil, que a força aqui vem dos outros sentidos que os megas e gigas não transportam: são as cores, os cheiros, o calor dos sorrisos, a ruga modesta das dificuldades imensas. Vai em prosa então, que ao menos por aqui estou rodeado de poetas e escritores, que convoco em benefício dos “tugas” que hão de ler. Entretanto, fui ver o que são mesmo 8 406 quilómetros, e concluo que o Vasco da Gama não tinha Google Maps. Se não, descobriria que para fazer 8 406 quilómetros entre a minha casa de Lisboa e a minha casa de Maputo, o caminho mais curto é à volta do mundo, Atlântico e Pacífico adentro! Ah, razão teria o Cristóvão, e curta afinal seria a viagem do Fernão, se tivessem um bom 3G ou 4G para descobrir mundos!

Então os tugas de antanho fizeram o caminho mais comprido, o caminho das pedras. Bem parece, que estas terras não são para corações fracos. Muita calma e bolsos cheios são os conselhos que daria aos potenciais novos descobridores, os que quiserem aproveitar o futuro eventual talvez-seja-desta novo eldorado.

Calma, calma. Que tudo se resolve e tudo tem um tempo que não é o das pressas, não é a correr, “há de vir”. Umas vezes incrivelmente consegue-se à primeira, muitas vezes desconsegue-se, há que voltar amanhã, que tudo se comporá. Como por milagre, uma soma de improbabilidades normalmente resulta em algo positivo.

Bolsos cheios, claro, que aqui o negócio é pequeno e caro. E não é aconselhável a quem “tem de” o fazer. A quem ache que Angola e Moçambique são parecidos porque eram dados na mesma aula de Geografia da quarta classe. A maioria dos negócios que aqui funcionam começou por gosto, por paixão, sem pressões. A vida é um pouco “leve-leve”, por aqui não há ataques cardíacos, se houver, seguramente não é pelo business. Mesmo o “jobar“ (“trabalhar”, claro) é algo que não se deve sobrepor ao ritmo normal da vida.

Há toda uma sabedoria ancestral que tem um contraste quase cómico com os processos e métodos europeus, e que provocam logo uma distinção entre os “veteranos” e os recém-chegados.

Ao fim de algum tempo, damos por nós a prestar atenção àquelas coisas importantes da Vida que na Europa fomos tapando com maquilhagem. E isso, estranhamente, sente-se, deve haver uma química nisto. Passamos a ser tratados por “pai”, tratamos todas por “mãe”, ou “amiga”. Parece natural, parece que, por momentos, deixámos de “estar” para “ser”.

O que é que isto tem a ver com Marcas e Marketing?

Se desconseguiu perceber, é porque ainda não está bem lá-lá, mas vou tentar para a próxima…

Fernando Oliveira é administrador delegado da Sumol+Compal Moçambique SA.

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